Manifesto de Fundação da Federação Anarquista do Rio de Janeiro

MANIFESTO DE FUNDAÇÃO DA
FEDERAÇÃO ANARQUISTA DO RIO DE JANEIRO (FARJ)

Irmãos e irmãs de ideal,

Companheiras e companheiros que compartilham conosco a luta por justiça, igualdade e liberdade:

Hoje nos reunimos para, reafirmando a esperança na dignidade que nos torna humanos, levantarmos a nossa já antiga, e sempre renovada, bandeira do Anarquismo Organizado. Levantamos esta bandeira porque assim manda a nossa consciência, na certeza de que todos que olharem para ela com a coragem de realizar a utopia, terão o mesmo valor, dentro desta igualdade proporcionada pela compreensão profunda do anarquismo, e por sua imprescindível vivência coletiva.

Afirmamos o Anarquismo, confrontando a hipocrisia e o egoísmo desta sociedade corrupta e decadente, com a certeza de que a vida é o mais importante, e que as coisas não precisam ser como são. Nesta convicção, colocamos toda a nossa vontade de trans-formação, e dela vem nossa força que quer ver este mundo velho balançar, e desaparecer. Porque a noite escura passará, e nós trabalharemos para ver o amanhecer.

Entendemos que o Anarquismo, na radicalidade de sua proposta libertária, deve apresentar-se enquanto opção de organização e luta não-autoritária. Porque, assim como os fins estão nos meios, a sociedade do futuro nascerá de nossa capacidade de realizar, a partir de agora, cotidianamente, as generosas aspirações que o Anarquismo, ao longo de várias gerações de luta e esforço militante, legou a humanidade.

As raízes da Federação Anarquista do Rio de Janeiro lançam-se profundamente no solo das lutas do nosso povo, neste canto da América Latina. Muitas vezes, em esforços aparente-mente infrutíferos e regando a terra seca com suor e sangue que pareceram perdidos, para colhermos hoje o que trabalharemos para transformar em pão. Outras vezes, pequenas e grandes vitórias que lembraremos sempre e com alegria, dando-nos força para prosseguir a luta atual.

A nossa história remonta às grandes lutas das primeiras décadas do século passado: a organização dos primeiros sindicatos e federações; as lutas pelas 8 horas e contra a carestia; a greve de 1917; a Insurreição Anarquista de 1918 e os congressos operários.

Lembramos ainda, que há exatas 8 décadas, em agosto de 1923, o operariado organizado do Rio de Janeiro re-fundava sua Federação local. O país estava em estado de sítio, a perseguição policial acirrada, as deportações freqüentes e, para completar o cenário desfavorável, os bolchevistas locais unidos aos pelegos cooperativistas agindo contra os principais militantes e sindicatos libertários. Mas nada disso impediu o crescimento da FORJ nos meses seguintes. A dedicação, o afinco e o compromisso com a luta destes companheiros e companheiras superou os obstáculos e calou aqueles que diziam que o Anarquismo estava superado como forma de luta. Apenas a repressão feroz que se seguiu a revolta militar de 5 de julho de 1924, quando todos os sindicatos foram fechados e os prin-cipais militantes presos ou deportados, inter-rompeu esse afã organizativo. Hoje, quando aqui fundamos a FARJ, homenageamos esses companheiros e companheiras, buscando em seus passos inspiração e forças para construir a nossa organização.

Relembramos também a luta dos anarquistas contra o fascismo dos “galinhas verdes” nos anos 30. Perdidos os sindicatos após o Estado Novo, a resistência mantida nas páginas do jornal Ação Direta e no Centro de Estudos Prof. José Oiticica (CEPJO), fundado em março de 1958. Mesmo após o golpe militar de 64, o CEPJO permaneceu aberto até ser assaltado pela Aeronáutica em outubro de 1969. Muitos de seus membros foram presos e alguns jovens companheiros e companheiras do Movimento Estudantil Libertário (MEL) sofreram torturas nos porões da ditadura.

Nos anos 70, auge da ditadura, contra todas as expectativas, negando o cinismo que afirma a inexistência do anarquismo no Brasil de então, o “nosso velho” Ideal Peres, junto com sua companheira Esther Redes, criaram um grupo de estudos do anarquismo em sua própria casa, recebendo jovens e velhos militantes. Em 1985, surgiu o Círculo de Estudos Libertários (CEL), berço de vários grupos, como o Grupo Anarquista José Oiticica (GAJO) e o Grupo Anarquista Ação Direta (GAAD), cujas experiências e militância geraram o acúmulo necessário para várias realizações, tanto publicações como a revista Utopia, o informativo Libera…Amore Mio e o jornal O Mutirão, quanto as primeiras experiências de inserção social, nos movimentos de ocupação e sindical, e em manifestações e enfrentamentos de rua.

Na virada de 92 para 93, os anarquistas estavam na linha de frente, na organização e no apoio à ocupação do Edifício Sede da Petrobrás por companheiros e companheiras petroleiros demitidos, luta esta que continua até hoje.

Em 1995, iniciam-se as primeiras experiências de organização da luta dos trabalhadores rurais e urbanos pelo direito à terra e ao trabalho digno. A partir deste ano, várias ocupações aconteceram, na cidade e no campo. Algumas permanecem até hoje, como verdadeiros bairros, com mais de 5.000 moradores, que ainda lembram suas origens, ou como assentamentos rurais que são exemplo e referência pelo trabalho dos próprios assentados, no movimento de luta pela terra no Rio de Janeiro. Desta experiência de inserção, chegamos a ter companheiros anarquistas na direção nacional de entidades como o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), e a Central de Movimentos Populares (CMP), e o mais importante, com apoio e delegação das comunidades de base.

Logo no início destas experiências, surgiu a necessidade de uma organização específica de anarquistas, trazendo e atualizando a ideologia para as novas realidades da luta. O Grupo Mutirão participa da criação da “Construção Anarquista Brasileira”, que visava coordenar os trabalhos de inserção desenvolvidos por grupos anarquistas em diversas partes do país.

Fomos pioneiros, também, nos contatos com a Federação Anarquista Uruguaia (FAU), na introdução da proposta de organização específica/anarquista no Brasil, que culminou da fundação da Organização Socialista Libertária (OSL), experiência que, entre acertos e erros, tornou-se um marco na história do anarquismo organizado no país, demonstrando que é possível a coordenação de esforços para alcançarmos uma Confederação Anarquista Brasileira. Para isso, afirmamos desde já as nossas melhores disposições de entendimento fraterno com todas as demais organizações anarquistas, as que já existem e as que surgirão, a partir dos nossos exemplos. Afirmamos a nossa determinação de trabalhar arduamente para alcançarmos este objetivo, tratando a todos com a mesma consideração que queremos ser tratados.
A Federação Anarquista do Rio de Janeiro é fruto de toda essa luta, e seu futuro, já presente.

Nossa bandeira traz o vermelho e o negro, símbolos do Anarquismo, e ao centro o tiê-sangue, pássaro nativo das matas do Rio de janeiro, símbolo de liberdade e de resistência.

Assim, levantamos a nossa bandeira. Fazemos nossas as palavras de um viejo compañero das lutas latino-americanas, com a necessária adaptação:

“Aqui se apresenta a FARJ, sem pedir outra coisa que um posto de luta, para que não morram sonhos formosos e profundamente justos.”

Ética! Compromisso! Liberdade!
Viva a FARJ!
Viva a Anarquia!

Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2003

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