Origens

1. A Militância de Ideal Peres

A Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) considera-se herdeira da tradição de militância do anarquista Ideal Peres.

Ideal era filho de Juan Perez Bouzas (ou João Peres), um sapateiro anarquista nascido na Galícia em 1899 que emigrou para o Brasil em 1915, vindo ainda neste ano para o Rio de Janeiro. Ao assistir a uma palestra de José Oiticica, interessou-se pelos temas libertários e, na convivência com outros operários, conheceu a luta de classes. Tornou-se anarquista no período das grandes greves e insurreições de 1917 e 1918, formando-se socialmente na Aliança dos Operários em Calçados e Classes Anexas, no Rio de Janeiro. Chegando em São Paulo, em 1920, entrou em contato com anarquistas e sindicalistas revolucionários, tornando-se um dos militantes sindicais mais importantes das décadas de 1920 e 1930, constituindo-se um forte e respeitado militante da Federação Operária de São Paulo (FOSP). João Peres destacou-se pela sua participação na “Batalha da Sé” de 1934, quando a frente antifascista, de que fazia parte, conseguiu impedir uma passeata dos integralistas, colocando-os “para correr” sob tiros de metralhadora. Juan participou ainda, de maneira crítica, das reuniões da Aliança Nacional Libertadora (ANL) que, além da luta antifascista, propunha-se a combater o imperialismo e o latifúndio. Fundou, já em 1946 o periódico Ação Direta com José Oiticica e outros militantes anarquistas. João faleceu no Rio de Janeiro em 1958.

Filho de João e de Carolina Bassi, uma operária do ramo têxtil, nasceu Ideal Peres em 1925 que, em contato com José Oiticica, tornou-se anarquista, iniciando sua militância em 1946. Foi fundador e membro muito ativo da Juventude Libertária do Rio de Janeiro e fundador, junto com seu pai, do periódico Ação Direta. Participou da confecção do periódico Archote, órgão do grupo anarquista de mesmo nome, publicado em Niterói a partir de 1947 e no ano seguinte passou a atuar na União dos Anarquistas do Rio de Janeiro.

Ideal Peres, junto com sua companheira Esther Redes, foi também fundador do Centro de Estudos Professor José Oiticica (CEPJO) que se constituiu em 1958 e que buscava homenagear o anarquista, falecido no ano anterior. O CEPJO tinha por objetivo promover a consciência por meio de palestras, debates, conferências e publicações. Ideal Peres participou tanto na organização do CEPJO quanto na realização de palestras, como por exemplo: “O Socialismo na Antiguidade”, “Comentário ao livro O Medo à Liberdade de Eric Fromm”, “Comentário a um artigo da revista Manchete intitulado ‘O que é a Bandeira Negra do Anarquismo’”, “Psicologia e Anarquismo”, “Problemas Econômicos Brasileiros”, “Fromm e a Revolução Social”. Em 1969, com a ditadura militar em pleno funcionamento, o CEPJO foi invadido pelos militares da aeronáutica que apreenderam tudo o que puderam, roubaram muita coisa e destruíram outras tantas. Os militares também haviam invadido a casa de Ideal Peres e Esther Redes, levando muito material libertário (considerado subversivo), mas também saqueando-os, pois se apropriaram de dinheiro, jóias, perfumes, tapetes, quadros, roupas e bebidas alcoólicas. Ideal seria preso e passaria um mês incomunicável no DOI-CODI da avenida Barão de Mesquita. Conforme relatamos no artigo “O Centro de Cultura Social do Rio de Janeiro”:

“No rastro das invasões e saques, as prisões iam sendo efetuadas. No dia 1º de outubro, haviam sido presos três jovens freqüentadores do CEPJO […] que, submetidos a maus tratos, forneceram os nomes dos outros participantes […]. A partir do dia 8, foram detidos Antonio da Costa e seus três filhos, Eliza, Roberto e Antônio, membros do Movimento Estudantil Libertário (MEL), sendo que o último recebeu choques elétricos; Carlos Alberto da Silva, estudante de medicina, torturado com choques e espancamento; Mário Rogério Pinto e Maria Arminda Silva, ambos do MEL; Rui Silva, de 17 anos, que foi espancado e obrigado a assinar um depoimento sob a mira de armas. Roberto das Neves e Pietro Ferrua permaneceram presos por uma semana; Ideal Peres, entre 8 de outubro e 1º de novembro, nos tenebrosos centros de tortura da Base Aérea do Galeão e da Rua Barão de Mesquita; e Manuel Ramos, Fernando Neves, Edgar Rodrigues, Esther Redes, Paulo Fernandes da Silva e outros foram detidos por algumas horas para deporem.”

Ideal Peres terminou por perder seu emprego de médico no Hospital do Exército, passando, depois da prisão, por uma fase muito difícil, tanto em termos materiais quanto psicológicos.

Desde a primeira metade da década de 1970, Ideal Peres fez parte do Grupo Alfa de Estudos Históricos, ou simplesmente “grupo Projeção”, cujo objetivo é reunir e conservar um acervo importante do “movimento anarquista” daquela época, e também de um período anterior.

Mesmo em pleno período de governo militar no país, Ideal Peres insistiu em constituir grupos de estudo em sua casa, no início da década de 1970, para leitura e reflexão de textos libertários, conseguindo aglutinar em sua casa jovens interessados nas idéias anarquistas. Ele acertou com companheiros presentes, todos com interesse no anarquismo, a constituição de um grupo de estudos que funcionaria durante alguns anos em sua própria casa. Além dos jovens, que se reuniam semanalmente com Ideal e Esther, freqüentavam eventualmente as reuniões outros anarquistas, tais como alguns antigos integrantes do Movimento Estudantil Libertário (MEL), o professor Matos, o editor Roberto das Neves e, quando veio ao Brasil pela primeira vez depois de deixar o país na época do processo do CEPJO, Pietro Ferrua, que naquele momento já lecionava em uma universidade norte-americana. Os jovens ali também tiveram contato com Diamantino Augusto, antigo militante santista/carioca e organizador de uma conhecida greve nas docas de Santos ainda em 1920. Ideal, que vinha de um momento muito complicado desde o fechamento do CEPJO e sua prisão, encontrou no grupo de jovens um novo fôlego, assim como os jovens encontram em Ideal um “professor”, hábil e generoso para responder a todas suas dúvidas sobre o anarquismo.

Ideal Peres contribuiu com o jornal O Inimigo do Rei, fundado em 1977, em Salvador: assinou artigos com os nomes João Carneiro, José Liberatti, Antonio Carvoeiro, Martins Freire Lustrador, Ari Selênio Candeeiro, Arcádio O. Silva e Marino de Sá Caniculeiro. Ajudou também a distribuir o periódico para outras áreas do país e do mundo.

Ainda na primeira metade da década de 1980, Ideal e Esther adentram um movimento social, como fundadores e membros da Associação dos Moradores e Amigos do Leme (AMALEME). Na década de 1980, no Rio de Janeiro, surgia uma série de federações de associações de bairro, favelas e comunidades, e Ideal participou da AMALEME, tentando influenciá-la a utilizar práticas autogestionárias e a demonstrar solidariedade à comunidade carente do Morro do Chapéu Mangueira. Em 1984, Ideal foi eleito vice-presidente da associação e, em 1985, presidente. Sua atenção para as associações de bairro havia nascido por uma outra associação, ALMA (Associação dos Moradores da Lauro Muller e Adjacências), talvez a primeira associação a demonstrar ímpetos combativos e autogestionários, o que terminou por influenciar outras associações.

One Response “Origens” →
  1. Eu fui presidente da FAMERJ EM 89 A 91 , conheci a ALMA e a AMALEME, admiro muito seu trabalho sou fã de um economista da ALMA chamado Piragibe Castro ALves, um grande amigo que sempre me estimulou a desenvolver práticas autogestionárias, hoje sei de onde vem estas idéais e estou feliz de te-los encontrados
    abraço
    S. bonato

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